segunda-feira, 31 de março de 2014

Arraial do Cabo servia de refúgio para oprimidos na Ditadura

Há 50 anos, o Brasil vivenciou o famoso golpe de 64, que encerrou o governo de João Goulart e deu plenos poderes para as forças armadas, a parte conservadora da sociedade, o clero e as organizações da sociedade civil apoiadas pelos Estados Unidos. Os militares brasileiros que designaram o evento como revolução de 1964 transformaram radicalmente as organizações políticas, bem como a vida econômica e social do país. A ditadura no Brasil durou 20 anos e deixou marcas por todo país, até mesmo no interior do Rio de Janeiro.


José Rodrigues ficou preso por
             75 dias . Foto: Maria Antônia
As cidades da Região dos Lagos serviam de refúgio para os que eram perseguidos pelos militares por causa da resistência à ditadura. Muitos que cultivavam as filosofias trabalhistas e comunistas eram oprimidos pelo regime dos militares, como é o caso do mineiro José Rodrigues, morador de Arraial do Cabo, que nessa época trabalhava na Companhia Nacional de Álcalis. José conta que ficou preso durante 75 dias por participar de movimentos sindicalistas e fez amizades dentro da prisão, inclusive com oficiais. Por ser bombeiro hidráulico, o sindicalista se prontificava em fazer reparos técnicos no presídio. Apesar de ter ficado encarcerado quase três meses sendo acusado de ser comunista, José afirma que somente seguia os ideais trabalhistas. 

“Lá dentro nós éramos pressionados frequentemente a mudar de opinião e aceitar o regime ditatorial. Mesmo assim, não cedi” – disse ele, acrescentando que só foi solto porque os policiais desistiram de tentar convencê-lo a aceitar a ditadura.

Não podemos deixar de citar o historiador Reinaldo Fialho quando falamos de fatos que marcaram a região. Hoje com 84 anos, Reinaldo explica que antes de morar em Arraial do Cabo, fazia parte da polícia especial do Rio de Janeiro. Logo que veio para o interior, em 1961, o então historiador passou a trabalhar como marinheiro e mais tarde se tornou Comandante da Guarda Municipal. Fez sua vida na cidade, onde construiu casa e família. Reinaldo se lembra com clareza que a ditadura teve pouca influência em Arraial se comparado ao Rio de Janeiro, onde os movimentos sindicalistas estavam a todo vapor. Trabalhou também na Álcalis, na função de mestre de embarcação marítima e lá dentro vivenciou a chegada de “novos funcionários” que, na verdade, eram policiais disfarçados enviados pelo regime para descobrir o que se passava na região e quem não era a favor da ditadura. 

“Os policiais disfarçados vinham para cá com o intuito de inibir as manifestações sindicalistas dos grevistas da Álcalis. Os militares tinham receio que o comunismo se alastrasse por aqui” – explicou Reinaldo. Ele conta ainda que na cidade havia alguns comunistas assíduos que faziam reuniões para disseminar os ideais entre os moradores. 

Reinaldo Fialho lembra que a Ditadura teve pouca influência em Arraial . Foto: Maria Antônia Casarões
“A gente sabia da ditadura, até expressávamos opiniões entre nós, mas o povo era muito tranquilo, ninguém se metia com política” – concluiu.

Fatos vividos, histórias contadas sobre pessoas que sofreram opressões e ainda assim não cediam aos mandos e desmandos do regime. Momentos marcantes da ditadura que ficaram na memória daqueles que viveram ou presenciaram casos de despotismo contra os que resistiam ao tiranismo militar. Como é o caso do cabista Carlos Cunha, de 50 anos. Ainda moleque, aos 12 anos, Carlos presenciou um momento que marcou a sua vida: 

“Eu estava jogando bola com meus amigos quando, de repente, vi um homem correndo desesperado e pulando o muro de uma casa. Assustado, parei o que estava fazendo e fiquei observando. Logo em seguida, duas viaturas pararam e vários policiais desceram correndo atrás daquele homem. Minutos depois, os policiais saíram com o homem algemado e bateram nele repetidamente até colocá-lo em uma das viaturas” – conta. 

Cunha garante nunca ter esquecido o semblante daquele prisioneiro e, muitos anos depois, aos 17 anos de idade, enquanto trabalhava em uma campanha política na cidade de Cabo Frio, reconheceu o semblante que nunca saíra de sua mente. “Estava em uma reunião do partido em que trabalhava distribuindo panfletos quando avistei aquele rosto que nunca saiu da minha cabeça durante todos esses anos. Fiquei surpreso em encontrar aquele homem depois de tanto tempo, e não contive minha curiosidade em confirmar se realmente era ele. E era”. – Afirmou. O homem confirmou a história e, apesar de ter passado por momentos muito ruins, ele afirmou que se manteve firme nos seus ideais, o que o ajudou a ser o homem que se tornou.

Por Juliana Rodrigues, Maria Antônia Casarões e Paula Zózimo :: UVA PASSA

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