Adquirir senso crítico e respectivamente uma
postura contestadora não é tão fácil como se pensa, principalmente numa cidade
pequena como Arraial do Cabo. Não basta só ler, ter conhecimento de filosofia e
uma boa oratória, é pegar um cenário habitual e unânime e o mostrar de um novo
ângulo. Foi assim que José Rodrigues, aposentado de 81 anos, passou de
presidente do Sindicato de trabalhadores da Álcalis para acusado de comunismo
contra o estado.
“Eles achavam que só por eu ser do sindicato,
eu era comunista.” comenta. José tinha aproximadamente 30 anos quando o golpe
aconteceu e disse que, apesar de ter havido uma influência na Região dos Lagos,
os militares "não faziam nada e só sabiam meter medo”. Ele estava no
trabalho quando seus amigos começaram a cochichar sobre as notícias daquele
dia. “Eu estava trabalhando na parte elétrica e hidráulica da fábrica.” Na
época, José Rodrigues era bombeiro eletricista e funcionário da Companhia
Nacional de Álcalis, a antiga empresa brasileira produtora de barrilha e sal.
Seus amigos chegaram assustados, ele conta,
vieram correndo alertá-lo que a coisa ia ficar “feia” para o lado dele. “Tudo
enquanto acontece comigo é bom para mim, porque eu aprendo”, ele respondeu e já
ficou de prontidão, esperando o desenrolar daquela situação. Os colegas de
trabalho insistiram, disseram que ele seria preso, que os “homens” iam chegar e
iam levar todo mundo. Com tremenda bravura, José respondeu “Eu não vou fugir!
Eu não vou correr! Se eles tiverem que me pegar, eles podem vir!”
A história
Segundo o cabista, no mesmo dia chegou um
ônibus cheio de policiais e soldados que mandaram a ele e alguns outros
voltarem para casa, banharem-se e separarem alguma roupa, pois estavam detidos.
José Rodrigues relata também que os que o acompanhavam tremiam de medo e ele só
sorria, dizendo “Bem feito para vocês! Não vivem dizendo que são da Coluna do
11? Então cadê o revólver de vocês? Só são da Coluna do 11 da boca pra fora”;
De acordo com a enciclopédia livre, o grupo
dos onze consistia na organização de "grupos
de onze companheiros" ou "comandos nacionalistas"
liderados por Leonel Brizola, no final de novembro de 1963. Era um
grupo de esquerda, porém não socialista, mas sim, nacionalista.
Chegando na DOPS (Departamento de Ordem
Política e Social), foram servidos de uma marmita com comida estragada, como
disse o homem. “Tinha um restaurante em frente que se chama Cai Duro, porque
você comia e caía duro, então eu pedi que eles comessem só a parte de cima da
quentinha, que era arroz fresco e me entregassem toda aquela mistura podre.
Joguei tudo no vaso.” José se diverte relembrando como conseguiu implicar com
os oficiais para descontrair toda aquela situação.
“Eu disse a eles que não precisavam me
trancar, que se quisessem podiam até me dar as chaves porque eu não ia fugir e
nem ia deixar ninguém sair”. Enquanto esteve preso, José consertou todas as
fechaduras de portas e gavetas do lugar, disse que eles tinham muitas chaves
que não prestavam, pois todas as portas eram trancadas por cadeados, uma vez
que as fechaduras não funcionavam mais.
Não ficaram muito tempo lá, ele disse, também
não sofreram tortura ou qualquer coisa do tipo. Mas, ele garante que ouviu
muitos gritos ecoando enquanto esteve preso e isso amedrontava todos os seus
amigos presentes, mas não a ele. José Rodrigues insiste em dizer que não sentiu
medo de forma alguma, nem por um segundo. Foram levados à Cabo Frio e depois de
volta à Arraial do Cabo, porém, aquilo só estava começando.
Já no conforto de sua rotina, trabalhando na
companhia, o cabista recebeu um ultimato militar para comparecer na Marinha de
São Pedro da Aldeia. Já se sentindo exausto de tanto brigar por uma causa que
não considerava a dele, José Rodrigues enfrentou os militares que o acusaram de
comunista novamente e o ameaçaram prender nas cadeias de pedra de São Pedro da
Aldeia, aonde os criminosos e revoltosos mais perigosos eram levados.
Dispondo de sua bravura e inteligência
costumeira, ele encarou o comandante e disse “Eu não sou comunista. E aqueles
que dizem ser, também não o são! Um comunista é alguém diferente, que luta pelo
bem do próximo e não por si mesmo. Eu digo e repito: O primeiro e único
comunista que existiu foi Jesus Cristo, porque foi ele quem disse “Quem tem
duas túnicas, dê uma a quem não tem nenhuma; e quem tem comida faça o mesmo!”.
Toda essa coragem lhe custou apenas mais
algumas idas ao encontro dos militares que, segundo ele, nunca lhe fizeram mal.
“Lá no Rio de Janeiro a coisa era feia, aqui eles não faziam nada, só gostavam
de botar medo.” comenta José, finalizando ainda dizendo que quando se cansaram
de tentar arrancar algo dele, o mandaram embora e nunca mais o procuraram.
Tempos de paz
Hoje ele é casado, pai de cinco filhos,
quatro mulheres e um rapaz. Vive a vida relaxando em sua cadeira de balanço e
lendo jornais enquanto lembra com orgulho das vezes em que não fraquejou diante
do perigo e que, mesmo com tanta dificuldade imposta na época e todas as
restrições, jamais parou de estudar e ler sobre o que lhe agradava,
independente do que fosse, assim, tendo argumentos e disposição para
defender-se de qualquer inquisidor.
Por Letícia Ferreira :: UVA PASSA
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