segunda-feira, 14 de abril de 2014

O chamado do inimigo: cabista conta como usou sua coragem e o bom humor para driblar os dramas da ditadura


Adquirir senso crítico e respectivamente uma postura contestadora não é tão fácil como se pensa, principalmente numa cidade pequena como Arraial do Cabo. Não basta só ler, ter conhecimento de filosofia e uma boa oratória, é pegar um cenário habitual e unânime e o mostrar de um novo ângulo. Foi assim que José Rodrigues, aposentado de 81 anos, passou de presidente do Sindicato de trabalhadores da Álcalis para acusado de comunismo contra o estado.

“Eles achavam que só por eu ser do sindicato, eu era comunista.” comenta. José tinha aproximadamente 30 anos quando o golpe aconteceu e disse que, apesar de ter havido uma influência na Região dos Lagos, os militares "não faziam nada e só sabiam meter medo”. Ele estava no trabalho quando seus amigos começaram a cochichar sobre as notícias daquele dia. “Eu estava trabalhando na parte elétrica e hidráulica da fábrica.” Na época, José Rodrigues era bombeiro eletricista e funcionário da Companhia Nacional de Álcalis, a antiga empresa brasileira produtora de barrilha e sal.

Seus amigos chegaram assustados, ele conta, vieram correndo alertá-lo que a coisa ia ficar “feia” para o lado dele. “Tudo enquanto acontece comigo é bom para mim, porque eu aprendo”, ele respondeu e já ficou de prontidão, esperando o desenrolar daquela situação. Os colegas de trabalho insistiram, disseram que ele seria preso, que os “homens” iam chegar e iam levar todo mundo. Com tremenda bravura, José respondeu “Eu não vou fugir! Eu não vou correr! Se eles tiverem que me pegar, eles podem vir!”

A história

Segundo o cabista, no mesmo dia chegou um ônibus cheio de policiais e soldados que mandaram a ele e alguns outros voltarem para casa, banharem-se e separarem alguma roupa, pois estavam detidos. José Rodrigues relata também que os que o acompanhavam tremiam de medo e ele só sorria, dizendo “Bem feito para vocês! Não vivem dizendo que são da Coluna do 11? Então cadê o revólver de vocês? Só são da Coluna do 11 da boca pra fora”; De acordo com a enciclopédia livre, o grupo dos onze consistia na organização de "grupos de onze companheiros" ou "comandos nacionalistas" liderados por Leonel Brizola, no final de novembro de 1963. Era um grupo de esquerda, porém não socialista, mas sim, nacionalista.

Chegando na DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), foram servidos de uma marmita com comida estragada, como disse o homem. “Tinha um restaurante em frente que se chama Cai Duro, porque você comia e caía duro, então eu pedi que eles comessem só a parte de cima da quentinha, que era arroz fresco e me entregassem toda aquela mistura podre. Joguei tudo no vaso.” José se diverte relembrando como conseguiu implicar com os oficiais para descontrair toda aquela situação.

“Eu disse a eles que não precisavam me trancar, que se quisessem podiam até me dar as chaves porque eu não ia fugir e nem ia deixar ninguém sair”. Enquanto esteve preso, José consertou todas as fechaduras de portas e gavetas do lugar, disse que eles tinham muitas chaves que não prestavam, pois todas as portas eram trancadas por cadeados, uma vez que as fechaduras não funcionavam mais.

Não ficaram muito tempo lá, ele disse, também não sofreram tortura ou qualquer coisa do tipo. Mas, ele garante que ouviu muitos gritos ecoando enquanto esteve preso e isso amedrontava todos os seus amigos presentes, mas não a ele. José Rodrigues insiste em dizer que não sentiu medo de forma alguma, nem por um segundo. Foram levados à Cabo Frio e depois de volta à Arraial do Cabo, porém, aquilo só estava começando.

Já no conforto de sua rotina, trabalhando na companhia, o cabista recebeu um ultimato militar para comparecer na Marinha de São Pedro da Aldeia. Já se sentindo exausto de tanto brigar por uma causa que não considerava a dele, José Rodrigues enfrentou os militares que o acusaram de comunista novamente e o ameaçaram prender nas cadeias de pedra de São Pedro da Aldeia, aonde os criminosos e revoltosos mais perigosos eram levados.

Dispondo de sua bravura e inteligência costumeira, ele encarou o comandante e disse “Eu não sou comunista. E aqueles que dizem ser, também não o são! Um comunista é alguém diferente, que luta pelo bem do próximo e não por si mesmo. Eu digo e repito: O primeiro e único comunista que existiu foi Jesus Cristo, porque foi ele quem disse “Quem tem duas túnicas, dê uma a quem não tem nenhuma; e quem tem comida faça o mesmo!”.

Toda essa coragem lhe custou apenas mais algumas idas ao encontro dos militares que, segundo ele, nunca lhe fizeram mal. “Lá no Rio de Janeiro a coisa era feia, aqui eles não faziam nada, só gostavam de botar medo.” comenta José, finalizando ainda dizendo que quando se cansaram de tentar arrancar algo dele, o mandaram embora e nunca mais o procuraram.

Tempos de paz

Hoje ele é casado, pai de cinco filhos, quatro mulheres e um rapaz. Vive a vida relaxando em sua cadeira de balanço e lendo jornais enquanto lembra com orgulho das vezes em que não fraquejou diante do perigo e que, mesmo com tanta dificuldade imposta na época e todas as restrições, jamais parou de estudar e ler sobre o que lhe agradava, independente do que fosse, assim, tendo argumentos e disposição para defender-se de qualquer inquisidor. 


Por Letícia Ferreira :: UVA PASSA

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